Mamãe tem o estranho costume de me chamar de egoísta. É algo que eu ouço desde o início da minha adolescência, época que minha memória consegue alcançar com certa clareza. Durante anos esta crítica não me fazia mal nenhum, mesmo ganhando um coro de mais vozes, além da sagrada voz materna. Mas ultimamente é algo que me tem feito parar para pensar um pouquinho. Eu considero o egoísmo uma característica natural da espécie humana, variando em intensidade entre uns e outros. Mas todos somos egoístas.
E foi do alto de todo o meu egoísmo que eu disse algumas frases que a deixaram assustada, logo quando nos conhecemos. Pra mim, o maior filósofo, pensador, didata que eu conheço sou eu. Reconheço: é algo forte de ser dito e soa extremamente prepotente aos ouvidos desavisados.
Eu tive a sorte de ter acesso ao trabalho de pensadores interessantes, de filósofos (pensadores etiquetados) relevantes e de professores instigantes. E do alto de todo o meu altruísmo, digo com convicção que grande parte deles teve uma participação importantíssima na construção de minhas convicções. Acontece que o que tem valor de fato não é o que eles escrevem ou lecionam, mas sim a minha compreensão disto. Na verdade, a minha, a sua, a deles. No meu caso, minha. Egoísta, não?!
Ela não conseguiu entender o que pra mim é muito simples. Num bar, em certa ocasião, após umas, outras e mais outras, conversávamos sobre identificação. Tentávamos entender os porquês de nos identificarmos com certas coisas e não com outras. Porque adoramos certa música e odiamos outra. Porque preferimos o conceito de Fulano sobre o destino ao conceito de Cicrano. Porque acreditamos em Deus do pai nosso ou num deus só nosso. E o mais importante disto tudo: Por que eu adoro azul e você lilás? Eu tenho uma boa hipótese sobre isto e não foi nenhum filósofo/pensador/professor/filme/música/passarinho que me disse. Não explicitamente. A explicação é simples: Nos identificamos com aquilo que nos soa familiar.
Ah, mas aí é mole. Nos identificamos com nossas mulheres porque elas têm características em comum com nossas mães. Isto é manjado. Freud explica.
Ok, mas por que nos identificamos tanto com aquela frase muito breve dita por aquele ator naquele filme que mudou nossa vida e nossa maneira de pensar e nos fez pensar: Porra! Como é que eu nunca pensei nisso antes? Na verdade, já pensei nisso antes, mas nunca havia me dado conta disto. Talvez tenha pensado há 2 anos, há 10 anos, 2 minutos antes de nascer ou quando eu era uma artesã em uma cidadezinha na região que hoje é conhecida por Praga. Vai saber. Mas eu me identifico porque isto está na minha memória, na minha genética, nos meus registros, no meu banco de dados, no meu arquivo pessoal. Chame como quiser.
E o mais intrigante é que talvez esta minha explicação sobre identificação não faça o menor sentido para você, assim como não fez para ela naquela mesa de bar. Mas acredito que isto aconteça porque isto não está na sua memória, genética, no seu registro etc etc etc... E mesmo que você não gaste um segundo do seu pensamento para tentar entendê-la, talvez ela faça todo o sentido para você e para ela se eu repeti-la daqui a 2 ou 10 anos. Talvez daqui a 2 minutos. O importante é que eu deixei o meu conceito no seu registro. Sou egoísta como os filósofos.
Gostaria, mais do que tudo, de ter a oportunidade de dizê-la novamente, exatamente com as mesmas palavras, tudo o que eu penso sobre identificação e ver se desta vez ela entenderia. E ouvi-la dizer, mais uma vez, Você é um grande egoísta, de uma forma tênue e carinhosa, como só mamãe saberia dizer.
PS: Eu descobri que um certo alemão chamado Heidegger pensava muito parecido comigo. Talvez ele já tenho trocado uma idéia com a minha bisavó.
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